"Disse-lhe que comecei a ler a encíclica Lumen Fidei e ele rejeitou qualquer mérito pessoal. Ele comentou que Bento XVI tinha feito a maior parte do trabalho". De fato, foi o próprio Francisco quem reconheceu a contribuição de seu predecessor na produção da encíclica. Na introdução da carta, ele esclarece: "Estas considerações sobre a fé (...) pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé. Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto qualquer nova contribuição."
Francisco teria dito ainda que, para ele, era um prazer intercambiar ideias com Ratzinger, e que ele "era um pensador sublime, desconhecido ou que a maior parte das pessoas não entende". Realmente, há muito a conhecer na riquíssima teologia de Joseph Ratzinger, mas também, infelizmente, muitos estigmas têm sido impostos a seus livros, pelo simples fato de ele ter pensado e escrito de maneira católica, pelo simples fato de ele ter submetido toda a sua obra – e sua vida – ao Magistério da Igreja.
Há um trecho da encíclica Lumen Fidei que alude justamente a esta realidade da vida de Bento XVI. Diz: "É claro que a teologia é impossível sem a fé e pertence ao próprio movimento da fé, que procura a compreensão mais profunda da auto-revelação de Deus, culminada no Mistério de Cristo". E mais: "A teologia não considera o magistério do Papa e dos Bispos em comunhão com ele como algo de extrínseco, um limite à sua liberdade, mas, pelo contrário, como um dos seus momentos internos constitutivos, enquanto o magistério assegura o contato com a fonte originária, oferecendo assim a certeza de beber na Palavra de Cristo em toda a sua integridade". Estas valiosas considerações permanecem atuais, especialmente para tantos teólogos e estudiosos da religião que encaram a fé como algo imanente, olham para a Igreja – que chamam com desprezo de "casta meretriz" – fora do olhar da fé. A teologia, recorda Bento e corrobora Francisco, é impossível sem a fé!
Jorge Milia também conversou com Francisco sobre a reforma na Cúria Romana. Ele "comentou que cada uma das mudanças que introduziu lhe custou esforços (e, suponho, inimigos). Entre estes esforços, a coisa mais difícil foi a de não aceitar que se apropriassem de sua agenda. Por isso não quis viver no palácio, porque muitos Papas terminaram convertendo-se em 'prisioneiros' de seus secretários".
"Sou eu que decido quem vou ver – disse a seu ex-aluno -, não meus secretários... Às vezes não posso ver quem quero, porque devo ver quem quer me ver".
O jornalista se disse surpreendido com a afirmação do Papa, e concluiu: "Eu, que não sou Papa e que não tenho seu poder, sinto que o coração acelera quando espero um querido amigo e não sei se poderia dar a precedência a outro em seu lugar. Ele, ao contrário, se priva do encontro que queria para estar com quem o pede. Disse-me que (...) o lugar do Pastor é com suas ovelhas...".
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