Esse ponto da espiritualidade cristã, sobre o qual Francisco tem se debruçado insistentemente, surge em boa hora, ainda mais quando se constata uma profunda confusão a respeito do significado de evangelizar. A confusão nasce daquela atitude denunciada por Bento XVI na Carta Apostólica Porta Fidei: “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado”.
E isso se vê na prática, sobretudo em certas propostas missionárias que, em nome de uma errônea concepção de respeito, esvaziam a mensagem cristã de seu conteúdo, às vezes até mitigando alguns de seus ensinamentos, e em seu lugar propõem soluções políticas e ideológicas, sendo muitas delas contrárias à Doutrina Social da Igreja. Tal ativismo não só já foi rejeitado pelos Papas, como também condenado: "Devem ser chamados a melhores sentimentos quantos presumam que se possa salvar o mundo por meio daquela que foi justamente designada como a "heresia da ação": daquela ação que não tem os seus fundamentos nos auxílios da graça, e não se serve constantemente dos meios necessários a obtenção da santidade, que Cristo nos proporciona". (Pio XII, Exortação apostólica sobre a santidade da vida sacerdotal Menti nostræ, 58, 27 de setembro
de 1950).
É exatamente contra essa "heresia da ação" que Francisco se levanta na sua mensagem: "A Igreja – repito mais uma vez – não é uma organização assistencial, uma empresa, uma ONG, mas uma comunidade de pessoas, animadas pela ação do Espírito Santo, que viveram e vivem a maravilha do encontro com Jesus Cristo". Por isso, não faz sentido a ação social se ela não estiver enraizada no Evangelho, uma vez que "sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo" (Cf. Caritas in veritate, n. 3). Desse modo - lembra o Santo Padre - o anúncio da Palavra de Deus, feito a partir da Igreja, é "um princípio fundamental para todo o evangelizador". Além disso, "a solidez da nossa fé, a nível pessoal e comunitário, mede-se também pela capacidade de a comunicarmos a outros, de a espalharmos, de a vivermos na caridade, de a testemunharmos a quantos nos encontram e partilham conosco o caminho da vida". Ou seja, quem não anuncia Cristo em comunhão com a sua Igreja demonstra que não está convencido da mensagem que Ele deixou.
E não se diga que a evangelização dos povos e culturas é uma violência à liberdade de consciência, muito pelo contrário. "Propor a essa consciência a verdade evangélica e a salvação em Jesus Cristo, com absoluta clareza e com todo o respeito pelas opções livres que essa consciência fará (...), é uma homenagem a essa liberdade" ( Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 80). Portanto, ensina Francisco, "a missionariedade não é questão apenas de territórios geográficos, mas de povos, culturas e indivíduos, precisamente porque os «confins» da fé não atravessam apenas lugares e tradições humanas, mas o coração de cada homem e mulher".
Por isso, muito oportunamente, o Papa Francisco lembrou o Beato José de Anchieta, durante a Jornada Mundial da Juventude, como "um grande apóstolo do Brasil". Num terreno marcado pelo preconceito e contra a evangelização de outras culturas, como a indígena, trazer à memória dos jovens o exemplo do missionário jesuíta é uma afronta ao politicamente correto e um convite sincero à desejada "Nova Evangelização".
Resumindo, a mensagem de Francisco nada mais é que a mensagem de Cristo: "Ide e fazei discípulos entre todas as nações" (Mt 28,19).
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