A fé cristã não está somente baseada no serviço e no benefício, mas na sincera amizade com o Deus criador
Um dos testemunhos particularmente belos da história recente da
Igreja foi a relação de amizade entre Bento XVI e João Paulo II.
"Desde
o início senti uma grande simpatia, e graças a Deus, sem eu merecer, o
então Cardeal me doou desde o início a sua amizade", contou,
Bento XVI, numa entrevista acerca de seu primeiro encontro com o então
Cardeal Karol Wojtyla, durante o Conclave de 1978. Para o Papa Emérito, o
cultivo da amizade é uma característica dos santos,
"porque é uma das manifestações mais nobres do coração humano e tem em si algo de divino".
C.S. Lewis, autor das Crônicas de Nárnia, escreveu, certa vez, que a
amizade nasce no exato momento em que uma pessoa diz para outra:
"O quê! Você também? Pensei que fosse só eu".
De fato, é uma relação de comunhão e identificação, na qual, para
parafrasear Santo Tomás de Aquino, ambos aceitam e rejeitam as mesmas
coisas. Com efeito, ensina a Sagrada Escritura, "um amigo fiel é uma
poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro", (Cf. Eclo 6,
14).
Trata-se, portanto, de um dom. Por isso, é mais que um sentimento de
afeição, pois impele a alma a se doar inteiramente e a se comprometer
pelo amigo, mesmo que custe algo. Neste sentido, o cultivo da amizade é
nada mais que uma das modalidades do "remar contra a maré" pregado pelo
Papa Francisco, aos jovens da Jornada Mundial da Juventude. Ou seja, a
caminhada contra a cultura do provisório, do descarte, que visa somente
os interesses próprios e não o bem comum. Em última análise, o cultivo
da amizade é uma forma de amar.
Por conseguinte, se cultivar a amizade significa amar, ela não pode
ter outro fim que não a amizade com Deus. Assim como explicou Santo
Tomás em algumas questões da Suma Teológica,
"a caridade é a amizade do homem com Deus em primeiro lugar, e com os seres que a Ele pertencem"
(Cf. II, q. 23, a.1). Diferente da heresia deísta, que prega um Deus
alheio ao ser humano, que após a criação, o teria abandonado, privando-o
de sua graça e assistência, o cristianismo vive de um Deus não somente
Criador, mas providente, que vem ao encontro da humanidade, vive no meio
dela, a redime e a convida para essa comunhão. O Deus que já não chama a
sua criatura de servo, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor,
mas de amigo, "pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai" (Cf.
João 15, 15).
Essa é a beleza do cristianismo e a novidade da Boa Nova. Com Cristo,
a amizade se torna ainda mais nobre e divina, pois encaminha o ser
humano para a comunhão com Deus, único lugar onde ele pode encontrar
repouso e felicidade plena.
Por isso, a fé cristã não está somente baseada no serviço e no benefício, mas na sincera amizade com o Deus Criador.
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